segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Motivos reais e falsos para se fazer uma cesárea

Meu amigo Jota acompanhou sua mulher durante todo o pre natal com a médica ginecologista de confiança dela. A intenção, explicitada pelos pacientes, com a qual a médica parecia concordar, era ter um parto normal.
No final da gestação, com cerca de 38 semanas, porém, a obstetra começou a dizer que achava melhor optar por uma cesárea. Segundo ela, o líquido amniótico estava diminuindo e seria melhor agendar a cirurgia para a semana seguinte.

– "Não dá para monitorar o líquido e esperar um pouco mais?", perguntaram eles.

Segundo a médica, "seria um risco". Apenas quando o casal insistiu em ter uma segunda opinião e fazer mais alguns ultrasons, veio a verdade: a médica iria viajar para um congresso em 2 semanas e, se quisessem fazer o parto com ela, teria de ser uma cesárea, agendada.

Não faltam histórias como essa, em que o médico se aproveita da relação de confiança construída, para, no final, desencorajar a mulher a ter um parto normal. Por isso, para que todo mundo saiba em que momento uma cesárea se faz realmente necessária e quando essa indicação não passa de pretexto, pedi à dra. Andrea de S. Queiroz Campos, ginecologista e obstetra, que listasse tais motivos.

Quando a cesárea não passa de pretexto?

* Se o cordão estiver enrolado no pescoço do bebê. Não importa quantas voltas. É raro que um bebê não tenha volta alguma. Mas o cordão é feito de uma substância gelatinosa, que se adapta a várias formas e continua levando oxigênio ao bebê, mesmo enrolado. Na hora do nascimento, os médicos o desenrolam.

* Se você passou de 40 semanas de gestação. A conta muitas vezes não é exata, por isso, é normal esperar até 42 semanas. Nesse caso, o bebê só deve ser monitorado.

* Se a mulher não entrou em trabalho de parto ou não teve dilatação. Toda mulher entra em trabalho de parto, mais cedo ou mais tarde – desde que não a operem antes. Quanto à falta de dilatação, pode ocorrer por um distúrbio raro no colo do útero (menos de 1% das mulheres o têm), mas, na maioria das vezes, se não dilatou é porque não chegou a hora.

* Se o trabalho de parto está demorado demais. A mulher pode passar vários dias com contrações, sem ter entrado em franco trabalho de parto. Os médicos só consideram trabalho de parto quando a mulher tem mais de 3 cm de dilatação e contrações regulares, cerca de 14 em uma hora. Aí, então, o processo ainda pode levar de 8 até 18 horas.

* Se a mulher tem mais de 35 anos. Não há nenhum motivo clínico que determine uma cesárea apenas pela idade.

* Se a mulher já fez uma cesárea antes. Muitas conseguem partos normais na segunda gestação.

* Se a bacia é estreita (esses casos são raríssimos e, normalmente a pessoa já sabe dessa alteração antes de engravidar, porque o ginecologista a diagnosticou ao fazer exame de toque).

* Se o bebê é grande demais. O peso do bebê revelado na ultrassonografia tem uma margem de erro considerável. Além do mais, mães que geram bebês grandes (com mais de 4,5 quilos), muitas vezes têm bacias flexíveis o suficiente para lhes dar passagem.

* Se a mulher tem verrugas genitais, mioma ou HPV. Isso só se tornará um problema se estiverem obstruindo a passagem do bebe.

* Se for época de Carnaval, reveillon, aniversário do médico...

Quando uma cesárea é necessária e tem de ser agendada?

* Quando a placenta cobre o colo do útero, impedindo a passagem do bebê. Essa doença chama-se Placenta Prévia. O diagnóstico de placenta prévia só é feito a partir da 30 semana da gravidez. Antes disso, placentas que estão baixas podem distanciar-se do colo do útero, conforme ele vai expandindo-se. Nesses casos, a cirurgia é agendada antes de o trabalho de parto começar, para não haver risco de sangramento.

* Em alguns casos de doenças cardíacas, algo bem raro.

* Se a mãe tem herpes genital, com uma lesão ativa até 1 mês antes do parto. Quem tem essa doença precisa comunicar o médico, porque dá para prevenir o aparecimento de lesões tomando remédio durante a gravidez.

* Se o bebe está atravessado no útero e o médico não conseguir ajudá-lo a ficar na posição correta.

* Se a mãe tem Aids com uma carga viral alta ou desconhecida. Nesse caso, a cesárea deve ser agendada. Se a carga viral for indetectável, pode ser parto normal.

Quando uma cesárea pode acontecer, mas só se saberá depois que o trabalho de parto começar?

* Quando a placenta se descola prematuramente, antes do nascimento.

* Quando ocorre desproporção céfalo-pélvica, ou seja, quando a cabeça do bebê é grande demais em relação à abertura que a mãe consegue. Mas esse diagnóstico só pode ser feito depois que todo o processo de dilatação se completa, os 10 centímetros, nunca antes. A desproporção céfalo-pélvica acontece em menos de 5 % das mulheres.

* Quando o cordão penetra no canal de parto antes da cabeça do bebê (prolapso de cordão).

* Quando o bebê apresenta uma redução drástica no fluxo de oxigênio ou nos batimentos cardíacos, algo monitorado com um exame chamado tococardiografia. Isso acontece apenas em torno de 1% dos casos.

Que casos que devem ser discutidos junto com o médico?

* Se foram feitas duas ou mais cesáreas antes.

* Se a mulher tem defeitos na bacia, algo que provavelmente, ela já descobriu antes de engravidar.

* Se o bebê estiver sentado e a mulher já tiver tido parto normal antes.

* Se o bebê estiver frágil demais, se houver algum retardo no seu crescimento.

* Se o parto parar de progredir, se as contrações cessarem ou não forem eficazes para dilatar o colo do útero. Nesse caso, há recursos para estimular o parto, como um hormônio chamado ocitocina.

* Se ocorrerem alterações na circulação do sangue entre a mãe e o bebê.

* Se a mulher tiver pressão alta (acima de 13 x 9). Em muitos casos, pode-se acelerar o parto com o uso de um hormônio chamado ocitocina. Quando a mãe tem pré-eclampsia, doença típica da gravidez que eleva a pressão arterial, o parto também deve acontecer rápido. Dá para evitar a eclâmpsia fazendo um bom pré-natal, se alimentando de modo balanceado e tomando aspirina em casos de risco.

*Andrea de S. Queiroz Campos é ginecologista e obstetra formada pela Universidade de Mogi das Cruzes, fez residência médica em tocoginecologia pelo Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros e pelo Hospital Pérola Byington e atende na Casa Materna e no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.

8 comentários:

  1. Excelente, total utilidade pública.
    Pode divulgar?

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  2. Excelente texto!
    Duas correções, se a mãe tem herpes genital, a única impossibilidade de parto normal é se houver ferida ativa no dia do parto.
    Se o bebÊ estiver atravessado, é importante aguardar entrar em trabalho de parto, pois até no dia do parto ele pode virar, e a manobra de versão pode ser feita até o momento do trabalho de parto.
    Um abraço,
    Ana Cristina Duarte
    Obstetriz

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  3. Olá, querida, parabéns pela iniciativa, é importante desmistificar os principais pretextos para se realizar cesarianas sem respaldo científico. Apenas, como vivem me linkando seu texto para esclarecer dúvidas, venho fazer alguns reparos à luz das evidências mais recentes:

    1. Herpes Genital só é indicação de cesárea se as lesões estiverem ativas NO MOMENTO do parto. Recomenda-se profilaxia com aciclovir a partir de 36 semanas para reduzir o risco dessas lesões.

    2. Essa história de defeitos da bacia está muito dúbia. Não há nenhuma utilidade nem indicação de se avaliar bacia antes da gravidez, durante a gravidez ou mesmo durante o parto. O que importa é a proporção fetopélvica, que essa sim só pode ser avaliada durante o trabalho de parto. Independente do tipo, forma e tamanho da bacia, o parto vaginal é possível quando essa proporção é adequada. Salvo raríssimos casos, como por exemplo raquitismo, condição praticamente não encontrada na atualidade. Lembrar que quase todos os casos de desproporção, mesmo reais, são relativos, dizem respeito ao posicionamento daquele bebê naquele momento naquela bacia, uma mesma mulher pode ter diagnóstico de DCP em um parto e futuramente ter um parto normal.

    3. Pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndromes hipertensivas em geral, associam-se com melhor prognóstico materno e perinatal quando o parto é vaginal. O que pode acontecer é a necessidade de interrupção da gravidez ocorrer precocemente e, às vezes, haver urgência dessa interrupção. Nos casos restantes, se não for possível aguardar o TP espontâneo, pode ser realizada indução do parto.

    4. As evidências mais recentes demonstram que os riscos de um parto vaginal depois de duas cesáreas são baixos e equivalentes aos riscos de um parto vaginal depois de uma cesárea, com uma taxa de sucesso (percentual de parto normal) em torno de 80%.

    5. Parto pélvico pode ser assistido em primípara. Em qualquer caso de apresentação anômala, recomenda-se tentar a versão por manobras externas a partir de 37 semanas. Indicação absoluta de cesariana só ocorre nos casos de apresentação CÓRMICA que assim persiste intraparto. Cesariana NÃO deve ser indicada eletivamente, isto é, agendada antes do trabalho de parto, uma vez que até mesmo a versão espontânea é possível.

    6. A maioria das cardiopatas se beneficiam com um parto normal.

    7. Restrição do crescimento fetal só é indicação de cesárea se estiver associado com comprometimento da vitalidade fetal. Indução do parto pode ser necessária em alguns casos.

    Enfim, acho que você poderia atualizar essa importante contribuição que vem dando às mulheres que procuram um parto normal, talvez uma nova postagem?

    Abraços,

    Melania Amorim

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    1. Em tempo: Melania Amorim é médica-obstetra, professora de Ginecologia e Obstetrícia e pesquisadora em Saúde Materno-Infantil.

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  4. tirei muitas duvidas aki
    tenho 32 anos, ha 10 anos atras tive gravides tubaria e retirei uma trompa numa cesaria, um ano depois tive apendicite e precisei de uma cirurgia urgente e cortaram minha barriga na vertical acima do umbigo ate la embaixo.
    quero muito ter meu parto normal, mas tenho medo, conversei com meu ginecologista e ele disse q posso sim ter normal, mas so iremos saber no final da gravides

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  5. ótimo post e realmente muito útil pra mim! Acabei de voltar da minha consulta com a GO; estou grávida de 28 semanas e desde o início falei pra ela que queria o parto normal e ela sempre se esquivando e comentando dos riscos e motivos pra se fazer uma cesárea. Acabei de voltar de mais uma consulta; fiz várias perguntas sobre indicações reais pra fazer cesárea, como funciona a recuperação no parto normal e cesárea, vantagens do parto normal, etc. Não fiquei satisfeita com os argumentos dela, muitos mencionados aí em cima como "falsos motivos" pra se fazer cesárea. No fundo estou sentindo que na hora H serei pressionada a fazer cesárea... portanto, amanhã já estou providenciando outra GO!

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  6. Vítima da Cesariana Agendada

    Se pudesse, aconselharia todas as mulheres a optar pelo parto normal, ou pelo menos a passar pelo trabalho de parto antes de uma eventual cesárea.
    Sou uma vítima da cesárea agendada, aquela sem trabalho de parto e sem a menor consideração para com o bebê. Hoje, com 20 anos e depois de alguma leitura em artigos científicos a respeito, concluo que teria sido mais benéfico, e até mais ético, se minha mãe tivesse me abortado.
    Nasci antes do tempo, com 38 semanas, por conveniência de um médico insensível e pelo medo que minha mãe sentia da dor. Um paradoxo, pois ela relata que a dor do pós-operatório que sentiu, após a cesariana, foi muito mais cruel que a dor que sentiu em seu primeiro parto, que foi normal.
    Além de ter nascido com icterícia (o menor dos problemas) e dificuldades respiratórias, tive problemas de aprendizado no colégio e, principalmente, de socialização. Fui uma criança incompreendida, já que meus próprios pais me condenavam duramente por minhas limitações, e sofri de grave depressão, da qual só consegui me libertar há alguns meses com auxílio de acupuntura.
    “Então o homem decidiu ajudar a borboleta: ele pegou uma tesoura e cortou o restante do casulo. A borboleta então saiu facilmente. Mas seu corpo estava murcho e era pequeno e tinha as asas amassadas (…) a borboleta passou o resto de sua vida rastejando com um corpo murcho e asas encolhidas.

    Ela nunca foi capaz de voar.” (A lição da borboleta, autor desconhecido)

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  7. E quando a mulher tem pressão alta, mas controla por remédio há riscos no parto normal?

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